|
"L'état c'est moi" em versão local
|
1. Em 11 de Novembro do ano passado comuniquei ao SEPNA (Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da GNR) que os meus vizinhos estavam ausentes há dois dias, tendo deixado o respectivo cão sozinho dentro da propriedade. Não foi a primeira vez.
2. Foi só em 13 de Dezembro apareceram por aqui dois militares do SEPNA. Foram primeiro à casa do vizinho e terão, ou não, tratado do assunto.
Pouco tempo depois subiram e vieram bater ao portão. Justificaram a visita com uma "fiscalização" à região. Eu acreditei que sim, que andariam a "fiscalizar". Mas hoje, francamente, já não acredito.
Ao portão, fizeram perguntas sobre a E. e a J., verificaram os chips (a medo na E., que é grande…), os documentos de identificação, perguntei-lhes se queriam ver as camas delas e as rações, declinaram e disseram que lhes pareciam bem tratadas.
Constataram que as taxas devidas pelas duas à junta de freguesia não estavam pagas e disseram que deviam estar. É verdade, tinha havido um atraso. A conversa (?) nem passou daí. Depois desapareceram. Foram "fiscalizar", supõe-se. Ou descansar. Ou fazer outra coisa qualquer.
Mas os dois diligentes membros do SEPNA ainda tiveram tempo para fazerem logo no mesmo dia um "auto de notícia por contra-ordenação", não informando os visados (que nem o assinaram) de que a coisa era uma contra-ordenação: a "falta de licença de canídeos na "junta de freguesia da área de residência".
3. O "expediente" da GNR foi "elaborado" em 7 de Janeiro deste ano e despachado, em data não concretamente apurada, para a União das Freguesias de Caldas da Rainha Santo Onofre e Serra do Bouro (designação oficial, abreviadamente UFCRSOSB).
4. No dia 25 de Janeiro, o presidente da UFCRSOSB, o advogado Jorge de Sousa Varela, terá remetido o documento da GNR para os visados, isto segundo afirma numa carta de explicação que se viu obrigado a escrever em 2 de Abril.
Mas o auto de notícia não chega aos visados.
E ele era necessário para
dar cumprimento ao que o Regime Geral das Contra-Ordenações (Decreto-Lei n.º
433/82, de 27 de Outubro) estipula no seu artigo 50.º (“Direito de audição e
defesa do arguido”):
“Não é permitida a aplicação de uma coima ou de
uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de,
num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e
sobre a sanção ou sanções em que incorre”.
5. Mas, no dia 11 de Março, o advogado Jorge de Sousa Varela "dispara" contra os acusados da contra-ordenação a "sanção de admoestação".
Sem mais explicações.
Elas, note-se, nem seriam necessárias se os visados tivessem sido notificados ao abrigo do citado artigo 50.º.
O que não foram.
E só quando é inquirido pelos próprios que o presidente de junta - advogado vai verificar o que devia ter verificado antes: a correspondência que enviara não fora "reclamada". Ou seja, depreende-se que foi devolvida à UFCRSOSB.
E ele, apressado e vingador, nem quis verificar se as formalidades legais estavam cumpridas.
Até se pode compreender (mas não desculpar…) a pressa: o presidente de junta - advogado devia, e deve, andar ansioso por punir o único residente da sua querida união de freguesias que o critica publicamente… e que faz questão de lembrar, por exemplo, que o "embelezamento" da Serra do Bouro, que proclamou como desejo autárquico, está por fazer.
6. A ausência da formalidade da notificação (como tem obrigação de saber o Jorge de Sousa Varela, que é advogado com inscrição "activa" na Ordem dos Advogados, onde tem a cédula número º
17447L) torna inválida e inútil a "admoestação".
E só lhe ficaria bem reconhecê-lo e pedir desculpa pelo lapso. Mas, ao ser inquirido sobre o assunto por quem teve a surpresa de receber a sua "admoestação" sem mais nada, nem sequer o reconheceu, nem pediu desculpa.
O que revela uma atitude de, pelo menos, descortesia.
Mas ela não é o pior disto.
7. O que mais surpreende nisto tudo são os dois lapsos que o advogado Jorge de Sousa Varela cometeu, digamos que contra si próprio.
8. Em primeiro lugar, não examinou os autos de notícia relativos aos dois cães. Teria reparado que os arguidos inculpados da dita contra-ordenação nem os assinaram. E, nesse caso, devia ter comunicado a irregularidade à GNR. Não o fez. Não reparou, ou nem ligou.
O que dirá, e como fará, com um potencial cliente que lhe solicite os seus serviços num caso semelhante, ou igual?
9. Em segundo lugar, não cuidou de verificar se os seus alvos haviam sido notificados.
Preocupação que sobejamente devia ter, porque nem é crível que, como presidente da UFCRSOSB, não saiba das irregularidades permanentes do serviço postal da empresa CTT em Caldas da Rainha e, em especial, nas freguesias do interior.
Portanto, verificar se a correspondência teria sido entregue seria da mais elementar precaução, e não apenas pelo respeito que devia ter pelo Estado de Direito.
E novamente aqui se pergunta: o advogado com a cédula 17447L da Ordem dos Advogados aceitaria que um seu cliente fosse punido sem que fosse respeitada a formalidade da sua notificação?
A pergunta é legítima. E é sustentada pelo Acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa de 4 de Fevereiro de 2016, onde se escreve: “(…) A regra é a
possibilidade do direito de defesa tal como resulta do texto constitucional em
matéria criminal extensiva à matéria contra-ordenacional. Esta sim é a regra e
a matriz de qualquer processo justo e equitativo. Um processo justo e
equitativo em matéria contra-ordenacional não se compadece com supressão de
direitos aos arguidos, em virtude de actuações menos diligentes das autoridades
administrativas.”
10. A pressa, bem se sabe, é má conselheira.
Na pressa de atacar este seu crítico, que não tem medo de usar a liberdade de expressão que o Estado de Direito lhe permite, no respeito pelo bom senso e pela lei, o presidente-advogado quis atirar-lhe com o que podia.
Com uma "sanção de admoestação", que foi o melhor que podia arranjar.
O resultado está aqui bem à vista.
Também para bom conhecimento de actuais e potenciais clientes do advogado-presidente de junta.
11. E, já agora, a taxa dos "canídeos" foi paga, logo a seguir ao reconhecimento do lapso pelos proprietários dos "canídeos". A que estava em falta e a deste ano.
12. E ainda: é para isto que serve o SEPNA?