domingo, 25 de março de 2018

A realidade é uma coisa, a "prevenção" é outra


A minha casa podia ter ardido no dia 15 de Outubro de 2017. Não só a minha casa como a da família que mora um pouco acima da minha. Talvez também a do vizinho que mora do outro lado da rua. Com as casas, podíamos ter morrido todos.
O incêndio da Serra do Bouro, nessa noite de Outubro, desenvolveu-se ao longo da Estrada Atlântica, que percorre quase toda a "fronteira" ocidental do concelho de Caldas da Rainha, com o Oceano Atlântico por fundo.
A Estrada Atlântica fica um pouco para lá das árvores que se vêem ao longe, nesta fotografia. De carro, e sem ser em linha recta, demoram-se uns três minutos entre o pequeno conjunto de cinco casas que aqui existem.
Se, em vez de empurrar as chamas para Norte, o vento as tivesse empurrado para Oeste, o incêndio teria aqui chegado. Em poucos minutos.
A estrada secundaríssima (com o pomposo nome de "rua") que passa nesta pequeníssima povoação do interior do concelho de Caldas da Rainha já estava a ficar intransitável devido ao movimento dos curiosos e dos habitantes locais que iam ver o fogo. A GNR andava por aqui. Um carro dos Bombeiros tentou subir a rua e desistiu. No caso de as chamas terem avançado para aqui, se todos quiséssemos sair de carro ao mesmo tempo, teríamos sido apanhados pelas chamas.




O caminho estava bem preparado para o progresso do fogo: da Estrada Atlântica até aqui, há árvores e mato. Nessa noite, em pleno Outono, toda a vegetação estava seca e bem seca. Arderia sem problemas.
Parte do terreno até pode nem ter dono. Mas há uma parte, significativa, que tem. E que confina com a "rua" de cerca de dois metros de largura que separa essa zona da casa do meu vizinho. No meu caso, o mato está directamente encostado à minha propriedade.
Nada fora limpo antes de 15 de Outubro. E depois também não.
O perigo era, e é, real. E é agravado por uma casa em ruínas, pertencente ao mesmo proprietário dos terrenos. No meio de vegetação seca, pode ser uma bomba.




Depois do incêndio de 15 de Outubro, dirigi-me à GNR, onde indiquei o perigo que constituía o vasto terreno por limpar.
A identificação do proprietário seria difícil, disseram-se (mas não impossível, tive vontade de dizer, mas não era eu que devia dizer à GNR o que devia fazer). Talvez a Junta de Freguesia, talvez a Câmara Municipal... Mas para quê? 
A GNR respondeu-me várias semanas mais tarde: era impossível identificar o proprietário:



Num contacto pessoal informaram-me de que a Câmara Municipal ia tratar do assunto, fazer a limpeza, apresentar a conta ao proprietário, etc.
Até hoje. Até hoje, nada!
Agora, com a loucura da "desmatação", há, nesta zona, terrenos que sofreram valentes "carecadas". Há locais limpos de mato, canas, arbustos, árvores (foi tudo a eito). Há outros onde se mantém tudo na mesma. 
Aqui, como se pode ver, e onde há realmente condições objectivas de perigo, o proprietário nada fez (mas já vendeu entretanto uma das suas propriedades) e as autoridades municipais a mesma coisa.
A Câmara Municipal está alheada do assunto, a Junta de Freguesia a mesma coisa. Aliás, nem admira porque os seus dirigentes ignoraram, ostensivamente, a população que sentiu as chamas a rondarem-lhes as casas nessa noite de 15 de Outubro.
A realidade da "prevenção" é esta. E não se compadece com as acções de nojenta propaganda dos dirigentes do Estado. 
Como aliás, ficou ontem claríssimo quando, a coroar o dia das "cabras sapadoras" governamentais e presidenciais, morreu mais uma das vítimas de 15 de Outubro, que se encontrava hospitalizada desde essa altura.


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