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Um ganhou as eleições, o outro não.
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É possível que Donald Trump seja um bom pai de família. E que saiba comer à mesa. Que não mastigue de boca aberta, que não coce o cabelo com o garfo, que não arrote nos intervalos entre os pratos.
Mas é certo que a personagem, na sua aparência, não é atraente. O casaco, ou sobretudo, tipo fraque, a gravata que lhe vai às partes, o tom alaranjado da pele, o penteado que já foi parecido com um ninho de pássaro e que agora se apresenta mais alisado… E há o modo como fala, ligeiramente inclinado para a frente, como se fosse cuspir palavras mais acesas contra os seus interlocutores. Nota-se, no entanto, que anda divertido. O que não lhe diminui a arrogância e a sobranceria, típicas de quem não terá tido de depender muito dos outros no seu percurso de poder.
Trump foi eleito, respeitados os mecanismos do sistema político presidencialista dos EUA, presidente de um dos países maiores e mais fortes do planeta. O que anunciou e o que já parece ter decidido, em termos políticos, agitou mais opiniões do que o “macartismo” e as políticas conservadoras de Bush pai e filho no seu conjunto. E a estas, convém ter presente, a democracia americana sobreviveu, tendo o sistema dado um sinal claro de vitalidade quando obrigou Richard Nixon a demitir-se.
Trump chegou ao poder, e legitimamente, na mesma época em que o fez o português António Costa. É uma época de opiniões extremas, de instabilidade ideológica, de desequilíbrios mundiais que põem criaturas que se têm em grande conta a anunciar, semana sim, semana não, que vem aí a III Guerra Mundial.
António Costa, por seu turno, também há de ser, certamente, um bom pai de família. Saberá decerto comer à mesa, embora o modo como mastiga e expulsa as palavras da boca possa fazer temer o pior se, por exemplo, quiser falar e mastigar ao mesmo tempo.
Como Trump também não se pode dizer que seja atraente na sua aparência. A carapinha cortada curta evita acidentes mas depois o ventre dilatado não atenua as más impressões. Dá ideia de que os fatos que usa datam de quando ainda não tinha começado a engordar. As imagens do actual primeiro-ministro português aos saltos, de braços levantados, durante a sua campanha eleitoral, até conseguem ser hilariantes mas a sua fotografia na praia num revista “cor-de-rosa” está longe de provocar sentimentos idênticos.
Ao contrário de Trump, porém, Costa não foi eleito. Nem, mais precisamente, estava à frente do partido que ganhou as eleições legislativas de Outubro de 2015.
Costa era, como é, o chefe do partido derrotado nas eleições. E chegou ao poder através de uma declaração informal de desrespeito pelos mecanismos do sistema político parlamentar português, estribado numa aliança (escondida no período eleitoral) com outros dois partidos derrotados.
Depois da instabilidade do PREC (onde o PCP e a extrema-esquerda nunca conseguiram ter tanto poder como se diz que tiveram), é a primeira vez que o País se vê governado por uma aliança que reúne os socialistas, sociais-democratas e radicais de esquerda do PS e uma plêiade de trotsquistas, estalinistas, maoístas, marxistas-leninistas, comunistas revisionistas e neocomunistas. Não se sabe se o País lhes sobreviverá, e como.
Costa, como Trump, parece andar divertido. Mas as suas graçolas têm um certo travo a desespero de quem sabe que está no poder com uma legitimidade diminuída. E é também isso que inspira a arrogância e a sobranceria que exibe, e que aliás lhe são características.
Politicamente, Costa e os seus aliados não puseram em prática um programa de governo mas um programa anti-governo: desfazer o que estava feito e o que devia ser continuado a fazer, ou adaptado mas não negado. Nisso já se separa de Trump: Costa sabe o que não quer, Trump sabe o que quer.
Nenhum deles, verdadeiramente, se recomenda. E só se pode estranhar que as boas almas lusitanas que se arrepelam e berram contra o presidente eleito dos EUA se calem, envergonhadas ou parolas, perante o primeiro-ministro de Portugal que não ganhou as eleições.