Esta imagem é o essencial da primeira página do diário "Público" de ontem. A fotografia não apresenta um rosto que possa ser considerado simpático e a pergunta subjacente é, no mínimo, apocalíptica: "Como irá o mundo sobreviver a Trump?"
O indivíduo aqui fotografado já foi presidente dos EUA entre 2016 e 2020. Não consta que o mundo não lhe tenha sobrevivido, e sem grande esforço.
Apetece dizer que o mundo até sobreviveu, embora económica e politicamente debilitado, ao que foi uma verdadeira ameaça em 2020: a pandemia mais sobrevalorizada de toda a história humana e a tentativa de políticos e empresários farmacêuticos de imporem um perigoso fascismo sanitário.
E o mundo também sobreviveu, até agora, ao acastelamento de vários perigos: uma guerra em ebulição lenta no Médio Oriente, um genocídio na Palestina pela mão de um Estado que tinha a obrigação de nunca o fazer, a ameaça de militarização da Europa e o risco muito real de um confronto militar directo (nuclear) entre a NATO e a Rússia em guerras na Europa e na Ásia com envolvimento directo dos EUA contra a China e a Coreia do Norte.
Esta situação, desenvolvida ao longo dos últimos quatro anos, é, no seu conjunto, uma herança da actual presidência americana e da sua clique de "neoconservadores" ("neocons"), muito piores do que os conservadores tradicionais do Partido Republicano de Donald Trump. É curioso que o "Público" (cuja sobrevivência tem sido garantida pelos bolsos sem fundo da SONAE) nunca se tenha interrogado sobre se o mundo poderia sobreviver a esta agressiva globalização de conflitos militares.
Não sendo eleitor nos EUA, e votando (quando voto) em Portugal, não me sinto motivado para me pronunciar sobre as características pessoais e as opções políticas dos políticos estrangeiros, salvo quando as suas decisões têm impacto no meu país e na minha vida. [E, se o fizesse, nunca iria ao ponto do insulto directo. Quando trabalhei, como jornalista, no matutino partidariamente alinhado que era "o diário", nunca desci a esse nível. Nem era essa, aliás, a prática desse jornal.]
Donald Trump está longe, Portugal tem diminuta relevância, a imprensa nacional não tem existência prática e quem, por exemplo, aqui chama "palhaço" ao presidente dos EUA, está a salvo de qualquer processo judicial por difamação. Mas vão lá fazê-lo aos políticos nacionais!...
O que agora interessa, no que se refere ao impacto global da reeleição (esmagadora, note-se, e conviria respeitar os eleitores americanos), e deixando de lado as questões económicas e orçamentais relevantes para os EUA, onde há um sistema de "checks and balances" mais saudável do que em Portugal, é saber se Trump consegue travar a generalização dos conflitos militares em curso. E já disse que o quer fazer, para começar no que se refere à crise ucraniana.
Nessa perspectiva, convirá perceber que o Trump de 2024 está longe do Trump de 2016, que o novo presidente parece estar rodeado por pessoas de opiniões mais capazes e com opiniões mais firmes e que poderá vir a controlar realmente a administração do Estado, recorrendo a elementos da sua confiança e da sua equipa mais próxima, ao contrário do que aconteceu entre 2016 e 2020.
E é significativo que um destacado órgão da imprensa oficial, o "Wall Street Journal", tenha noticiado que já existe um plano da equipa de Trump para a Ucrânia, afastando o regime de Kiev da NATO durante vinte anos e criando o que poderia ser uma zona desmilitarizada entre o territorio do regime de Kiev e todo o território abrangido pela Operação Militar Especial da Rússia, no que seria uma espécie de "congelamento" do conflito militar. Não se sabe, na realidade, se esta ideia saiu de qualquer espécie de "núcleo duro" de Trump, ou de algum candidato a algum cargo nos Negócios Estrangeiros ou na Defesa no novo governo, mas é um sinal. Mas também se sabe que a Rússia dificilmente aceitaria uma solução desta natureza. No entanto, todas as negociações têm de partir de posições nem sempre convergentes e o essencial é dar um passo. E têm de ser os EUA de Trump, e não os EUA de Biden, a dar esse passo.
É fundamental pôr fim à guerra na Ucrânia e ter a noção de que o fim do conflito pode arrastar a liderança política da UE e de muitos dos seus Estados-membros, de vez, para o lamaçal político, económico e financeiro em que têm vindo a afundar-se depois de terem tentado tornar-se vassalos dos "neocons".
Se isso acontecer, o fim do conflito e o saneamento da UE, será fácil "sobreviver" aos quatro anos de presidência de Trump, mais fácil e em maior segurança do que aos quatro anos dos Biden da Burisma e dos "neocons" do Partido Democrático.
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Convém, sobre a crise ucraniana, ter presentes dois aspectos:
1 - A negociação que possa ser feita é, agora, com um vencedor: a Rússia está a vencer, se é que na prática não venceu já, no campo de batalha e as condições que o presidente russo apresentou em Junho para pôr fim às hostilidades foram agora reforçadas com a exigência do fim das sanções. Qualquer negociação será sempre mais difícil à medida que o tempo vai passando.
2 - Foi o eixo anglo-americano, antes do desvario da liderança da UE, que impediu a concretização do acordo que ia ser assinado entre a Ucrânia e a Rússia em Abril de 2022 em Istambul, quando o então primeiro-ministro inglês, Boris Johnson, articulado com os "neocons" americanos, foi a Kiev garantir que a Ucrânia esmagaria a Rússia com todo o apoio ocidental. Está à vista que não foi o que aconteceu. Caberá agora aos americanos (com o actual governo inglês prejudicado pelo apoio que quis dar à candidata derrotada) emendar a mão.