Por mais curiosidades, ou tentações, que me apareçam ao caminho em matéria de vinhos, há uma região vinícola nacional que continua a reunir todas as minhas preferências: é o Dão, onde aprecio especialmente os vinhos tintos de recorte clássico, os que sempre me recordam os vinhos do Centro de Estudos Vitivinícolas de Nelas dos anos 70 e que continuam a ser emblemáticos.
E no Dão há, para mim, uma referência que continua a ser essencial: a Quinta da Fata, em Vilar Seco, no concelho de Nelas. É nos seus vinhos que reencontro sempre o Dão em toda a sua plenitude. E é nessa propriedade que reencontro também a amizade e a grandeza de alma da sua família: Eurico do Amaral, Maria Cremilde e Rita. São pessoas extraordinárias que fazem vinhos extraordinários.
Se, neste ano, a minha peregrinação anual gastronómica, vínica e, em certa medida, espiritual, teve de ser encurtada, um conjunto de acasos fez-me visitar e revisitar quatro dos vinhos da Quinta da Fata há poucos dias, numa prova improvisada.
Vamos aos pormenores:
O
Conde de Vilar Seco teve, até agora, duas edições, com colheitas de 2010 e de 2015. E não foi de ânimo leve que abri uma das poucas garrafas que me restam, como foi o caso desta de 2010, a garrafa com o número 34 do lote de 50 "magnum" (1,5 litros) que foram engarrafadas com Touriga Nacional e com a distinção de "Garrafeira" . Por um lado, tinha uma grande curiosidade em ver como evolui (14 anos...); por outro lado, já sei que os vinhos da Quinta da Fata têm uma longevidade extraordinária (como ficou demonstrado com a prova de um tinto de 1958 há quatro anos, como
aqui contei). Mas foi uma tentação a que não resisti.
O resultado até comprovou que este vinho (que já nem está à venda) podia ter esperado mais anos em garrafa, porque estava perfeito. Magnífico, cheio de força, pleno de sabor e de aromas, este Conde de Vilar Seco estava longe de qualquer fase de envelhecimento que o pudesse debilitar. Absolutamente extraordinário.
Será arriscado dizer que, mais do que um "reserva" ou um "garrafeira", por exemplo, é o mais básico dos vinhos que revela o que de melhor existe num produtor, ou num terroir?
Foi o que aqui encontrei, neste tinto "blend" de 2022, feito com as castas Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alfrocheiro e Jaen. Já o conhecia, de o ter bebido na Primavera, e uma nova apreciação confirma as minhas impressões iniciais: este tinto de 2022 da Quinta da Fata é um belíssimo vinho do Dão. E um belíssimo vinho, em absoluto!
Os brancos da Quinta da Fata, feitos apenas com a emblemática casta branca do Dão que é a Encruzado, são justificadamente famosos. E justificaram um aumento da propriedade e o alargamento do cultivo destas vinhas. O perfil tem tido ligeiras oscilações, mostrando que não é um vinho de laboratório sempre igual, mas este Encruzado de 2022, é perfeito, quer para acompanhar refeições quer como companhia de bons momentos fora da mesa.
Esta edição de um vinho branco que é extraordinário ainda não tem estágio em madeira, ao contrário do que sucedeu com a colheita de 2021, que foi engarrafada sem madeira e com madeira (com a designação de "cru").
E eis uma surpresa interessante: o segundo monocasta da Quinta da Fata, onde já reinava o monocasta de Touriga Nacional, a partir da casta Alfrocheiro.
O Alfrocheiro de 2022 é um vinho tinto que parece afastar-se do padrão dos tintos clássicos da Quinta da Fata, com um sabor e aroma mais subtis, a exigir uma apreciação que respeite um período mais prolongado de descanso na garrafa. Sem a intensidade e a excepcionalidade dos outros tintos, este Alfrocheiro promete mais do que neste momento oferece. Vinho jovem, para todos os efeitos, já é, no entanto, uma boa companhia.