A Inquisição esteve activa em Portugal entre 1536 e 1821. Matou na fogueira 1379 pessoas e, nas masmorras, largas centenas. Foram perseguidas e condenadas mais de 19 mil pessoas. Os 285 anos de acção da Inquisição tiveram uma repercussão vasta do que parece, no domínio do pensamento e da liberdade de expressão.
Várias gerações de portugueses tiveram de habituar à ideia de que era melhor estarem calados e de que poderia haver sempre alguém, pelos mais variados motivos, disposto a fazer denúncias, fundadas ou infundadas. E não faltou quem lhe perpetuasse os hábitos, do Estado Novo aos arautos do "politicamente correcto" do nosso século.
Sendo fundamental, não foi esse o principal problema. A Inquisição (tal como a Igreja Católica, de que era o braço armado, e a Corte) voltou-se ferozmente contra os judeus. Muitos tombaram vítimas da Inquisição, mas outros fugiram.
E a grande maioria dos que conseguiram fugir pertenciam a uma elite comercial, financeira, intelectual e cultural, que foi à procura de outras terras. Inglaterra (onde judeus portugueses financiaram Henrique VIII), Holanda, Alemanha, Itália e o Império Otomano foram países onde chegaram os judeus portugueses. A diáspora judaica está repleta de apelidos portugueses.
Repare-se, ainda, na irrelevância em que acabou por mergulhar o país que melhor colocado estava no comércio com o Oriente: os comerciantes judeus que se foram embora levaram consigo as suas redes de contactos em África e na Ásia. A identidade religiosa, linguística e cultural dos judeus facilitou esses contactos. Que não eram da Corte portuguesa dos comerciantes e financeiros judeus.
Portugal não aprendeu só a viver com o medo, com a Inquisição. Foi também por ela que perdeu toda a sua importância no mundo.
Este é um dos aspectos mais interessantes do monumental segundo volume de "The Story of the Jews - Belonging", do historiador Simon Schama, obra admirável e única, de leitura fascinante e excitante, que estive a traduzir para a Temas e Debates/Círculo de Leitores. Ponham-na na vossa lista de compras, que é do melhor que há!
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