Vivo numa casa com terreno e vedação envolvente e um portão grande, que não pode deixar de ser aberto para a passagem de carros e de pessoas. Do lado de cá tenho dois cães. Sempre que um carro entra ou sai, eles recolhem a casa (vivem ambos em casa, com acesso pleno a parte do terreno em volta da casa).
Há dias, por um acaso, o portão começou a abrir-se... quando eu me preparava sair com elas (são duas cadelas) mas ainda não tinham as trelas postas. Nenhuma delas saiu. Fechei o portão, pus as trelas e saí com elas.
Para ambas, a casa (o terreno e a casa) são o lar delas. É dentro de casa que comem e dormem, é dentro de casa que se abrigam da chuva e do frio. Lá fora apanham sol, perseguem gatos invasores, perseguem lagartixas, ladram a pessoas, cães e tractores que passam. Saem em passeio (em média, meia hora) duas vezes por dia. À maior tiro controladamente a trela em zonas sem carros, à mais pequena (uma cocker) não é possível.
Não concebo que, salvo um qualquer estímulo muito extraordinário, elas "fujam".
É por isso que me faz a maior confusão os apelos lamentosos (ou às vezes nem isso) de quem se arrepela à procura do cão que "fugiu". E fugiu de onde? De um ambiente pouco feliz, de um confinamento doméstico idiota, das correntes criminosas que obrigam à inactividade e atrofiam cães que não o merecem, de um tratamento que lhe faz a própria casa (mesmo que só pelo lado de fora) e o seu território serem pouco atraentes?
Talvez haja, entre os muitos cães que "fogem", aqueles que apenas procuram um local melhor e um tratamento digno. "Fugir" pode ser um bem, se isso lhes permitir encontrar quem deles goste e escapar a quem, de uma forma ou de outra, por dolo ou tolice, os maltrata.