Em dez anos, entre 2004 e 2014,
escrevi e publiquei dez romances policiais, ou “thrillers”.
Não os publiquei por minha conta, não
fiz auto-publicação ou co-publicação (as varinhas mágicas que transformam tudo
em “autores”). Aliás, nunca o faria.
Todos os dez livros que escrevi passaram
pelas mãos de pessoas com responsabilidades de direcção editorial nas três
editoras que me acolheram: Temas e Debates/Círculo de Leitores, Asa/Leya e
TopSeller/20|20.
Nos dez livros, abordei temas diversos
relacionados com a realidade social, política e judicial em Portugal. Ocupei-me do “processo
Casa Pia”, da guerra colonial, o 25 de Novembro, da corrupção nas autarquias,
das irregularidades financeiras, do poder dos banqueiros e de muitos outros
aspectos.
Não há em Portugal, nem houve, autor
como eu que o fizesse, numa linha ficcional que está longe da melancolia tradicional da
literatura portuguesa e próxima da dinâmica da literatura anglo-americana.
Fi-lo por gostar do género e, apesar de dominar bem as técnicas da escrita e da
narrativa ficcional, nunca quis procurar o êxito pelas modas: nem o “’thriller’
histórico”, nem o “porno para mamãs”, nem as narrativas confessionais
emocionais. (E nunca vi que houvesse “concorrência” à altura.)
Todos os livros foram, em maior ou
menor grau, e em circunstâncias diferentes (até mesmo de promoção), bem
recebidos por quem os leu. Reuni uma boa colecção de opiniões favoráveis e
muito favoráveis.
Não fui às televisões (não o desejando,
pessoalmente, ajudaria às vendas).
Nunca fui convidado para nenhum
“festival” literário, onde só parecem ter lugar os amigos, os amigos dos amigos
e, em jeito de círculo fechado, os nomes que mais vendem e que, ao mesmo tempo,
publicam textos menos abertos.
Houve manifestações de interesse e
projectos de adaptação de alguns livros ao cinema. Eu próprio fiz algumas
diligências para concretizar o que seria óbvio nos países de língua inglesa e
em alguns países europeus, que seria o aproveitamento das histórias e das
personagens para séries de televisão. Nada se concretizou.
Comercialmente, os meus livros não
vingaram. As vendas foram modestas e, em primeiro lugar, não entusiasmaram
editores, nem mesmo os que demonstraram maior interesse, maior apoio e maior
disponibilidade para afirmarem uma ficção policial portuguesa de qualidade. E
também não entusiasmaram o autor.
Porque, se as vendas não garantem, em
tempo razoável, o retorno do investimento dos editores, o autor também não é
beneficiado. Ou seja, em termos práticos, eu posso estar a escrever uma
história durante quatro ou seis meses mas esse trabalho nunca será devidamente
remunerado se não houver um mínimo de êxito comercial. E, tendo outro trabalho
remunerado, estar a escrever uma história minha significa que também não estarei
a fazer esse trabalho durante o período de escrita.
Em 2014 parei de escrever. Ficou uma
história por acabar (mas os leitores mais atentos têm um “cheirinho” da
conclusão nas últimas páginas) mas as circunstâncias da vida literária são
essas: a qualidade portuguesa tem menos saída do que o rebotalho estrangeiro.
Ainda pensei em escrever parte das
aventuras da minha personagem Ulianov, nos seus tempos do KGB na antiga União
Soviética, mas o aparecimento de outras histórias passadas no mesmo ambiente
não recomendaram que desenvolvesse esse projecto.
Há uma história, sobre jornalismo e
jornalistas em Portugal, que comecei a escrever (e que não é um “thriller”,
apesar de tudo) mas que subordinei ao trabalho directamente remunerado que faço.
Há outras ideias mas nem chegaram ao
“papel”. Não me queixo, nem alguma vez o sentiria, do famoso “writer’s block”.
Aliás, não penso que alguém que tenha imaginação, criatividade e disciplina de
escrita sofra dessa maleita. Só que não vale realmente a pena, não vale nem o
esforço nem o trabalho, nem o investimento.
Devo, no entanto, dizer que tenho a
firme convicção de que pode haver uma ficção policial portuguesa “pura”, de que
haverá decerto outros autores que se revelarão e que editores mais atentos
poderão aproveitar e de que o “thriller” português faz falta à literatura
portuguesa (onde, aliás, é comum a captura dos mecanismos do género para
aumentar o efeito dramático). Mesmo que a generalidade dos editores e uma elite
intelectual que gosta muito do seu umbigo (e de poucos umbigos alheios) continuem
a considerar o “thriller” e a ficção policial como uma literatura que parece
mal: sangue, mortes violentas, gente pouco recomendável, polícias & ladrões
ou mesmo pior, heróis?! Credo, é demasiado “popular”! Salvo se vier do
estrangeiro.
Não é um caso único. O facto de não
haver lugar para a literatura policial portuguesa em Portugal é apenas mais um
exemplo de outras coisas que não temos (cinema e ficção televisiva de alta qualidade,
banda desenhada, por exemplo).
Por tudo isto, neste domínio de
impossibilidades, posso dizer que já cumpri o meu dever.
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