quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

O meu populismo é melhor do que o teu


Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, não deve ter lido “O Radicalismo Pequeno-Burguês de Fachada Socialista”, escrito pelo mais célebre, e com razão, secretário-geral do PCP, Álvaro Cunhal. Talvez também não saiba da experiência “eurocomunista” dos partidos comunistas francês e espanhol que, tal como os seus secretários-gerais George Marchais e Santiago Carrillo, praticamente se extinguiram. É ainda possível, também, que não tenha lido o que o matutino português “o diário”, igualmente extinto, publicou sobre os males dos governos “PS sozinho”.
Só estas lacunas explicarão o entusiasmo com que foram para a cama (governativa) com o PS socratista de António Costa e o BE em 2015, numa aliança governamental dos derrotados das eleições desse ano.
No que se refere ao BE, é possível que tenham lido mais do que Sousa leu, e mais do que peças de teatro, pelo menos nesta encarnação que nasceu da convergência citadina, elitista e snob dos principais grupos trotzquistas, maoístas e ex-comunistas em Portugal.
A base teórica destes políticos é débil e, não havendo nos “clássicos” do marxismo-leninismo (e podemos incluir aqui o “Radicalismo Pequeno-Burguês de Fachada Socialista”) sustentação ideológica para a aliança PS-PCP-BE, deveremos procurar algures as raízes do que os “clássicos” também definem como “desvio oportunista de direita” – ou seja, alianças reformistas que já só são movidas pela sobrevivência.
A recente deliberação do Governo português de subir em 2019 o salário mínimo da função pública para 635 euros, quando o salário mínimo para o sector privado é de 600 euros, foi a medida mais marcante de um rumo político que, desde 2015, se traduziu no atirar de dinheiro para vários sectores bem específicos, com uma subida sem paralelo da carga fiscal. Em 2019 há eleições legislativas em Portugal e o quadro é este: a diferenciação do salário mínimo mostra o que é, e tem sido, essencial: beneficiar sectores que poderão dar votos.
Tendo o PS a chave do cofre, é este partido (que domina o Governo e o aparelho de Estado) que deverá recolher os louros do benefício. O PCP e o BE invocaram sempre, como agora invocam, a necessidade de se mostrarem como “proprietários” dos benefícios, que seria o fruto da versão política do pacto com o Diabo. Ou seja: o que foi conseguido só o foi graças a eles. Portanto, paguem em votos. Sobretudo os trabalhadores da função pública que, de
certa forma, votam no seu patrão.
A isto chamava-se demagogia: dar ao povo aquilo de que ele gosta e esperar pelo seu reconhecimento. Mas agora até se poderia chamar populismo: dar ao povo aquilo de que ele gosta e esperar pelo seu reconhecimento.
E só não pode porque o “populismo” é mau e, como tal, é sempre o dos outros. Ou, melhor, do “outro”, do adversário que nasce da aplicação do princípio de que “quem não é por nós é contra nós”. É isso que está no discurso dos políticos dos partidos tradicionais e da debilitada imprensa nacional: o populismo e, com ele, a extrema-direita e, até, o fascismo…
A lógica tem sido esta, em matéria de nomenclatura: um movimento reivindicativo que nasça fora dos partidos e que consiga ocupar a rua é “populista”; comprar votos não é; a eleição de Donald Trump e de Jair Bolsonaro é “populista”, a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa não é. Mas todos foram eleitos com votos que ultrapassaram os partidos que formalmente os apoiaram, dizendo o que o eleitorado queria ouvir.
Além disso, se há eleições democráticas que são ganhas por partidos da “direita”, o resultado, sempre condenável, é um governo “de extrema-direita”, ou mesmo “fascista” ou “nazi” (ignorando as especificidades históricas e nacionais). Mas um governo que nasce de uma aliança de três partidos derrotados nas eleições e ao arrepio dos resultados eleitorais, já é uma agremiação de democratas em estado puro.
Esta pobreza linguística e ideológica do discurso dominante não favorece o debate sobre aspectos tão fundamentais como o futuro da União Europeia, o Brexit, as migrações, a mudança do paradigma da globalização, os movimentos políticos e sociais reivindicativos ou as eleições presidenciais praticamente unipessoais.
E é também por isso que, às vezes, há surpresas. O que desaconselha prognósticos. Até por um motivo fundamental: qual dos populismos é que vai vencer?
(Publicado no Portugal Digital)

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