terça-feira, 14 de março de 2017

Doçura alentejana

Há alguns anos, numa quinta do Dão e em conversa com um dos grandes enólogos da região, e em jeito de apresentação do meu grande amigo B., disse-lhe que o meu amigo era alentejano e acrescentei qualquer coisa sobre o vinho do Alentejo.
O nosso interlocutor retorquiu de imediato que o vinho do Alentejo o enjoava e o meu amigo ripostou, defendendo a sua dama. Mais tarde, numa das inúmeras conversas em que falávamos de vinho, confessou que já começava a achar os vinhos alentejanos algo doces. Hoje, infelizmente, já não lhe posso dizer que, mais do que isso, eu desisti de beber tintos dessa região. E até acredito que B., prematuramente desaparecido, me daria razão.
Com uma excepção, que só por si impede a generalização, não mudei de opinião. E fujo dos vinhos alentejanos. Comecei a achá-los demasiado doces. Não seguirei o bizarro descritivo dos "sabores" que os entendidos conseguem descobrir nos vinhos, das compotas aos abaunilhados, passando por outras coisas menos nobres, limitando-me à constatação. Por isso, evito os tintos do Alentejo.
Não vale a pena andar a fazer experiências quando a oferta é muito mais vasta e os resultados podem ser incertos. (A única excepção, e que voltarei na devida altura, é a dos tintos de Pias, uma região específica dentro da região alentejana.)
Uma das castas usadas com frequência no Alentejo, e que é predominante na península de Setúbal, é a Castelão ou Periquita e, só por si, é suficiente para poder deixar um rasto doce. Mas o problema não está nela. Está na tentativa de muitos produtores (a maioria, talvez?) de irem atrás de um padrão internacional de sabor que tem por elemento central a casta Cabernet Sauvignon e que é retintamente doce.
Ao dar-lhe um protagonismo excessivo, neste caso numa região que dela não precisa, nem para o vinho durar mais, os produtores estão a mudar o perfil dos vinhos de uma região (o Alentejo), afastando-o do padrão original. O uso intenso da madeira e, até, o recurso à casta Touriga Nacional, só reforçam a impressão inicial.
Poderá argumentar-se que os consumidores gostam e que o vinho do Alentejo tem de se renovar. Pode ser. Mas os vinhos doces, ou adocicados (abafados, ginja, Madeira, Moscatel ou Porto), têm o seu lugar. Os restantes, os "vinhos de mesa" não precisam de ser doces para se imporem.
Há algum tempo, num dos supermercados a que vou, havia, como é frequente aí haver, vinhos para provar. Eram do Alentejo e espreitei-lhes os rótulos e contra-rótulos à procura da identificação das castas. Havia, em todos, Cabernet Sauvignon. Um dos produtores que acompanhava a acção promocional perguntou-me se eu queria provar e eu disse que não, dizendo que não gostava de vinho com Cabernet Sauvignon. E a resposta dele foi: «Ora, mas isso é só tempero!" Não podia ser mais esclarecedor.


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