domingo, 8 de maio de 2016

Dão: notas de prova


Aprendi com um mestre que é quase imprescindível ir ao terreno numa matéria como o vinho. Sobretudo numa região de que se gosta, e foi do Dão que eu aprendi a gostar desde que por volta de 1989, provei um Dão tinto de 1973 do Centro de Estudos Vitivinícolas de Nelas. Era melhor, garanto, do que o Barca Velha, de que bebi o suficiente para reforçar a minha sensação de que o Dão consegue fazer bem melhor.
O Dão tem sido, nestas explorações, o meu alvo de eleição há muitos anos e beneficiei sempre de boa companhia, o que é essencial quando se trata de falar sobre vinhos e comidas (e outros aspectos da vida, que ficam no palácio da memória quando as pessoas já não estão). E de procurar o que há de novo, confirmar o muito bom que já se conhece, ir aos restaurantes onde já se sabe que é bom e tudo numa zona geográfica que seria a minha outra escolha se não me tivesse mudado para o Oeste (e por influência, também, de quem me ensinou o fundamental sobre o vinho).
Nunca fui beneficiado, como jornalista, pelas ofertas de produtores, engarrafadores e distribuidores (também não trabalhava nessa área, no extinto semanário "O Jornal", onde vi muitas caixas de vinho depositadas para oferta aos "especialistas" do sector) e isso também me fez perceber a importância de ir procurar. E de comprar, claro. Mas tentando provar antes disso, o que nem é difícil.
Há quem considere (como aconteceu com um produtor de uma casa que já teve altos e baixos e onde comprei muito vinho ao longo de vários anos, mas agora já não) que não se pode dar a provar ao visitante. Para essa gente, que prefere oferecer garrafas à imprensa porque "sai sempre", o cliente interessado deve ser um bêbedo ou alguém que quer beber à borla.
Não deixa de ser significativo que, nesta minha viagem mais recente, as três novidades que mais me agradaram foram compradas depois de provadas. Se não tivesse provado, talvez não tivesse comprado.
Vamos então às notas de prova (das quais estão ausentes os ridículos registos de sabores florais, de compotas, de suor de cavalo e de outras preciosidades).

Casa dos Cunhas de Santar - Nature Tinto 2012


O Nature é um vinho biológico, feito com as castas Touriga Nacional e Tinta Roriz, sem estágio em barrica e com estabilização natural.
É uma das marcas da Dão Sul/Global Wines e foge, claramente, ao sabor padronizado da maior parte dos seus vinhos. Foi uma surpresa pelo seu carácter robusto e genuíno.
A prova fez-se à mesa do restaurante Quinta de Cabriz, em Carregal do Sal, propriedade da mesma empresa.
O restaurante é simpático e de muito bom nível, com a particularidade de a lista de vinhos ser composta pelos vinhos da Dão Sul a preços convidativos. É uma forma inteligente de os promover em ambiente adequado e é inspirador para a visita à loja, no mesmo local.



Quinta do Escudial - Tinto Reserva Vinhas Velhas 2009

Foi pelo Nature que chegámos ao Vinhas Velhas da Quinta do Escudial, em Vodra, na zona de Seia.
A Quinta do Escudial aposta em vinhos sem madeira e este Reserva 2009, muito robusto e saboroso, transmite integralmente todas as sensações dos vinhos do Dão. Foi feito com Touriga Nacional, Alfrocheiro, Jaen e Tinta Roriz.
Na ocasião provou-se também o branco de 2015, que é soberbo. Nestas primeiras impressões, a Quinta do Escudial marcou pontos em grande estilo.








Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão - Branco 2012



O Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão (CEV) em Nelas, criado em 1946, é de certa forma a sede histórico-científica do vinho do Dão.
É um departamento do Ministério da Agricultura que tem servido de apoio à produção local, com critérios de qualidade rigorosos. Dispondo de vinhas próprias, engarrafa os melhores vinhos que produz e tem venda ao público, em quantidades reduzidas.
Este branco de 2012, feito de Encruzado e com outras castas brancas da região, é um excelente exemplo dos vinhos brancos do Dão quando, sempre com o Encruzado por base, recorre a várias castas.
Nada tem a ver com muitos vinhos brancos apresentados como sendo do Dão e que seguem padrões de gosto que estão tão bem para o Dão como para o Alentejo ou para a região de Lisboa.

Adega Cooperativa de Mangualde -Adega de Mangualde Tinto 2013


A Adega Cooperativa de Mangualde, uma das várias adegas cooperativas que existem na região com bons vinhos, tem a vantagem de apresentar uma loja simpática onde se pode ver e provar o que têm para venda. Ia com a ideia de comprar o Foral Dom Henrique Reserva, que encontrara numa promoção de supermercado, mas foi-me proposto o Adega de Mangualde e aberta uma garrafa para prova.
A loja tem uma sala adequada para o efeito e não tem medo de que haja pessoas que só lá vão para beber à borla. Ficámos sozinhos com a garrafa, provámos e comprámos.
Este tinto, das castas Touriga Nacional, Tinta Roriz e Jaen, está bom e cheio de força e é uma óptima compra. Com ele veio também o "Encruzadito", um licoroso branco feito de Encruzado que é um óptimo vinho de aperitivo. (Também há um licoroso tinto, o "Tôriguito".)

Quinta da Fata - Tinto Clássico 2012 e Tinto Reserva 2011



A Quinta da Fata, em Vilar Seco, nos arredores de Nelas, é para mim um ponto de paragem obrigatório. Não apenas pelo vinho mas pelas boas recordações que mantenho do local e pela simpatia dos seus anfitriões (Eurico do Amaral, Maria Cremilde e Rita).
Depois de ter começado a funcionar como alojamento de turismo real, passou também a produzir vinho, recuperando uma tradição familiar que foi marcante em Nelas.
Já com treze anos de produção vinícola, não guardo uma única má memória dos seus vinhos tintos (com monovarietais Touriga Nacional que são esplêndidos) e brancos (só Encruzado, cada vez melhor), que têm contado com o apoio do CEV e a sabedoria de um enólogo experiente, António Narciso, e a eles me tenho aqui referido.
Nesta altura, bebem-se, e com proveito, o Tinto Reserva 2011 e o Tinto Clássico 2012.
O primeiro (Touriga Nacional e Tinta Roriz) é um vinho nobre e elegante e o segundo (Touriga Nacional, Tinta Roriz e Alfrocheiro) é um vinho mais pujante, cheio de força e com uma vivacidade muito própria. Tendo estágio em barricas durante um ano, depois da estabilização em lagares de granito, não revelam o sabor mais redondo da madeira. É um equilíbrio diferente que lhes dá um estatuto também diferente, nesta panóplia de tintos merecedores de todo o respeito.

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