quarta-feira, 8 de abril de 2015

Greves nos transportes públicos: os clientes (os outros trabalhadores) tornaram-se o inimigo


No início as greves eram contra os patrões, num mecanismo rigorosamente muito simples: os trabalhadores paravam de trabalhar e os patrões deixavam de ter produtos para vender; não tendo produtos para vender, não ganhavam dinheiro; não conseguindo servir os clientes, arriscavam-se a que eles fossem comprar os produtos dos seus concorrentes. Ou seja: os prejudicados pelas greves eram os patrões.
O sindicalismo era assim e a teoria e a prática marxistas e marxistas-leninistas foram construídas sobre esse princípio.
As greves (praticamente permanentes) dos transportes públicos não seguem estes cânones. Nesta batalha da luta de classes, o inimigo deixou de ser o patronato para passar a ser o conjunto das pessoas que usam os transportes públicos. Ou seja, os seus clientes.
Se os patrões prejudicados podem ser obrigados a ceder em conflitos laborais (com ou sem greves), os clientes nada podem fazer. Não têm os meios para resolver os problemas que poderão estar na origem das greves.
Mas isto não demove os sindicatos.
Os patrões não cedem? Pois hão de massacrar de tal forma os clientes que, com sorte, os patrões podem vir a condoer-se e a ceder. É nisto que apostam os sindicatos: na chantagem pura e simples sobre os clientes.
É como apontar uma pistola à cabeça de alguém para forçar a um familiar seu a fazer uma coisa que não quer. Neste caso, os clientes (na sua imensa maioria, trabalhadores como os grevistas) são impedidos de se deslocarem (para irem trabalhar).
 
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O PCP manteve durante alguns anos, e por intermédio de uma sua empresa, um matutino chamado “o diário” (onde trabalhei como jornalista), organizando reuniões regulares entre os trabalhadores jornal e o secretário-geral, Álvaro Cunhal. E ainda me lembro do que nessa altura ele dizia sobre as greves que deviam ser objecto de notícias que as apoiassem e das outras que não eram correctas.
Nesta definição cabiam por exemplo as greves dos maquinistas da CP, que eram um sector da CP que os sindicalistas comunistas não controlavam e que consideravam elitista e que conseguia fazer os comboios, o que prejudicava claramente a população. Ou seja, e muito directamente, os seus clientes e de uma forma quase terrorista. Como fazia o MRPP em 1974 e em 1975.
Mas hoje o PCP apoia entusiasticamente as greves que têm os clientes como alvo e que expressam aquilo que, noutros tempos, o próprio PCP e o próprio Álvaro Cunhal consideravam como “desvios oportunistas de esquerda”.
O radicalismo esquerdista do PCP e a impotência dos sindicatos expressam o mesmo desespero que nasce da incapacidade de perceber que o mundo laboral mudou e de encontrar uma alternativa a procedimentos que prejudicam sempre os mais fracos. Ou seja, os clientes.
Nisso, os grevistas que agora querem imitar o MRPP dos tempos do PREC são aliados objectivos dos patrões, sejam eles os capitalistas privados ou o Estado capitalista burguês.

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